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sábado, 15 de junho de 2013

De que vale a bondade (Was nützt die Güte)


1

De que vale a bondade
Se os bondosos logo são fulminados, ou são fulminados
Aqueles com quem eles são bondosos?

De que vale a liberdade
Se os livres têm de viver entre os não-livres?

De que vale a razão
Se só a desrazão proporciona a comida que cada um precisa?

2

Em vez de serem apenas bondosos, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que possibilite a bondade, e melhor:
Tornem-na supérflua!

Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que a todos liberte
E que também torne supérfluo
O amor à liberdade!

Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão do indivíduo
Um mau negócio!

Bertolt Brecht




















1

Was nützt die Güte
Wenn die Gütigen sogleich erschlagen werden, oder es werden erschlagen
Die, zu denen sie gütig sind?

Was nützt die Freiheit
Wenn die Freien unter den Unfreien leben müssen?

Was nützt die Vernunft
Wenn die Unvernunft allein das Essen verschafft, das jeder benötigt?

2

Anstatt nur gütig zu sein, bemüht euch
Einen Zustand zu schaffen, der die Güte ermöglicht, und besser:
Sie überflüssig macht!

Anstatt nur frei zu sein, bemüht euch
Einen Zustand zu schaffen, der alle befreit
Auch die Liebe zur Freiheit
Überflüssig macht!

Anstatt nur vernünftig zu sein, bemüht euch
Einen Zustand zu schaffen, der die Unvernunft der einzelnen
Zu einem schlechten Geschäft macht!

Bertolt Brecht

Poemas de 1933-1938. In: Gedichte. 12a ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2004. p. 553.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O Jogo das Contas de Vidro (Das Glasperlenspiel) - II

"Quando na luta dos interesses e dos slogans a verdade é ameaçada, e ainda desvalorizada, desfigurada e violentada como o indivíduo, como a linguagem, assim como as artes, como tudo o que é orgânico e artisticamente engendrado com magnitude, então é nossa obrigação única relutar e resgatar a verdade — isto é, a busca pela verdade — como nosso dogma supremo. O estudioso que, como orador, como autor, como professor, conscientemente profere o incorreto, conscientemente apoia mentiras e fraudes, age não apenas contra leis fundamentais orgânicas, ele, além disso, apesar de toda a aparência, em nada aproveita ao seu povo; causa-lhe, na verdade, severos danos, estraga-lhe o ar e a terra, o alimento e a bebida, envenena o pensamento e o direito e ajuda todo mal e hostil que ameaça o povo de extermínio."

Hermann Hesse


„Wenn im Kampf der Interessen und Schlagworte die Wahrheit in Gefahr kommt, ebenso entwertet, entstellt und vergewaltigt zu werden wie der Einzelmensch, wie die Sprache, wie die Künste, wie alles Organische und kunstvoll Hochgezüchtete, dann ist es unsre einzige Pflicht, zu widerstreben und die Wahrheit, das heißt das Streben nach Wahrheit, als unsern obersten Glaubenssatz zu retten. Der Gelehrte, der als Redner, als Autor, als Lehrer wissentlich das Falsche sagt, wissentlich Lügen und Fälschungen unterstützt, handelt nicht nur gegen organische Grundgesetze, er tut außerdem, jedem aktuellen Anschein zum Trotz, seinem Volke keinen Nutzen, sondern schweren Schaden, er verdirbt ihm Luft und Erde, Speise und Trank, er vergiftet das Denken und das Recht und hilft allem Bösen und Feindlichen, das dem Volke Vernichtung droht.“

Hermann Hesse

Das Glasperlenspiel. Berlim: Suhrkamp Taschenbuch Verlag (Edição digital - kindle), 2012. p. 551,  posição 5371.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

O Jogo das Contas de Vidro (Das Glasperlenspiel)

"De repente, percebi que na linguagem ou pelo menos no espírito do Jogo das Contas de Vidro, tudo de fato era plenamente significativo, que cada símbolo e combinação de símbolos não levavam aqui ou ali, a determinados exemplos, a experimentos, a evidências, mas ao centro, ao mistério e ao íntimo do mundo, ao conhecimento primal. Cada transição do tom maior para o menor em uma sonata, cada transformação de um mito ou de um culto, cada formulação clássica, artística era — eu me dei conta no lampejo daquele instante, em verdadeira contemplação meditativa — nada além de um caminho imediato ao interior do mistério cósmico, onde, em alternância entre inspiração e expiração, entre céu e terra, entre Yin e Yang o sagrado eternamente se consuma."

Hermann Hesse


„Ich begriff plötzlich, daß in der Sprache oder doch mindestens im Geist des Glasperlenspiels tatsächlich alles allbedeutend sei, daß jedes Symbol und jede Kombination von Symbolen nicht hierhin oder dorthin, nicht zu einzelnen Beispielen, Experimenten und Beweisen führe, sondern ins Zentrum, ins Geheimnis und Innerste der Welt, in das Urwissen. Jeder Übergang von Dur zu Moll in einer Sonate, jede Wandlung eines Mythos oder eines Kultes, jede klassische, künstlerische Formulierung sei, so erkannte ich im Blitz jenes Augenblicks, bei echter meditativer Betrachtung, nichts andres als ein unmittelbarer Weg ins Innere des Weltgeheimnisses, wo im Hin und Wider zwischen Ein- und Ausatmen, zwischen Himmel und Erde, zwischen Yin und Yang sich ewig das Heilige vollzieht.“

Hermann Hesse

Das Glasperlenspiel. Berlim: Suhrkamp Taschenbuch Verlag (Edição digital - kindle), 2012. p. 172,  posição 1649.

terça-feira, 27 de março de 2012

Cartilha de Guerra Alemã (Deutsche Kriegsfibel)

Os de cima dizem: paz e guerra
São de matéria distinta.
Porém, a sua paz e a sua guerra
São como vento e tempestade.

A guerra nasce da sua paz
Como o filho da mãe.
Ele carrega
Seus traços terríveis.

Sua guerra mata
Os restos que sua paz
Deixou.

Bertolt Brecht

Dresden após ataque aéreo (1945)

Die Oberen sagen: Friede und Krieg
Sind aus verschiedenem Stoff.
Aber ihr Friede und ihr Krieg
Sind wie Wind und Sturm.

Der Krieg wächst aus ihrem Frieden
Wie der Sohn aus der Mutter.
Er trägt
Ihre schrecklichen Züge.

Ihr Krieg tötet
Was ihr Friede
Übriggelassen hat.

Bertolt Brecht

Do poema "Deutsche Kriegsfibel"Svendborger Gedichte in: Gedichte, 12ª ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2004. p. 635.

Agradecimento especial à Ana Sofia Guerra.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Siddhartha

"...de cada verdade o oposto também é verdadeiro! Assim: uma verdade é sempre dita e envolta em palavras apenas quando for unilateral. Unilateral é tudo que pode ser refletido com pensamentos e dito com palavras, tudo unilateral, tudo meio, tudo dispensado de completude, de órbita, de unidade. Quando o elevado Gotama falava do mundo em seus ensinamentos, ele teve que dividi-lo em sânsara e nirvana, em ilusão e verdade, em sofrimento e salvação. Não é possível ser feito de outra forma, não existe outro caminho para quem deseja ensinar. O mundo em si, entretanto, o existente em torno de nós e em nós, nunca é unilateral. Um ser humano ou um ato nunca é inteiramente sânsara ou inteiramente nirvana, um ser humano nunca é inteiramente santo ou inteiramente pecaminoso. Assim parece ser porque estamos sujeitos à ilusão de que o tempo é algo real. O tempo não é real, Govinda, experimentei isto muitas e muitas vezes. E, se o tempo não é real, o intervalo que parece haver entre mundo e eternidade, entre sofrimento e bem-aventurança, entre mal e bem, também é uma ilusão."

Hermann Hesse


„...von jeder Wahrheit ist das Gegenteil ebenso wahr! Nämlich so: eine Wahrheit läßt sich immer nur aussprechen und in Worte hüllen, wenn sie einseitig ist. Einseitig ist alles, was mit Gedanken gedacht und mit Worten gesagt werden kann, alles einseitig, alles halb, alles entbehrt der Ganzheit, des Runden, der Einheit. Wenn der erhabene Gotama lehrend von der Welt sprach, so mußte er sie teilen in Sansara und Nirwana, in Täuschung und Wahrheit, in Leid und Erlösung. Man kann nicht anders, es gibt keinen andern Weg für den, der lehren will. Die Welt selbst aber, das Seiende um uns her und in uns innen, ist nie einseitig. Nie ist ein Mensch oder eine Tat, ganz Sansara oder ganz Nirwana, nie ist ein Mensch ganz heilig oder ganz sündig. Es scheint ja so, weil wir der Täuschung unterworfen sind, daß Zeit etwas Wirkliches sei. Zeit ist nicht wirklich, Govinda, ich habe dies oft und oft erfahren. Und wenn Zeit nicht wirklich ist, so ist die Spanne, die zwischen Welt und Ewigkeit, zwischen Leid und Seligkeit, zwischen Böse und Gut zu liegen scheint, auch eine Täuschung.“

Hermann Hesse

Siddhartha, 57ª Ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2005. p. 113-114.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Eu, o Sobrevivente (Ich, der Überlebende)

Claro que eu sei: só por sorte
Sobrevivi a tantos amigos. Hoje à noite, porém, em sonho
Escutei esses meus amigos dizerem: "Os mais fortes sobrevivem"
E eu me detestei.

Bertolt Brecht



Ich weiß natürlich: einzig durch Glück
Habe ich so viele Freunde überlebt. Aber heute nacht im Traum
Hörte ich diese Freunde von mir sagen: »Die Stärkeren überleben«
Und ich haßte mich.

Bertolt Brecht

Poemas de 1941-1947. In: Gedichte, 12a. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2004. p. 882.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Mais suave das leis (Du sanftestes Gesetz)

"Amo-te, mais suave das leis,
em que, lutando com ela, amadurecemos;
grande saudade, que não dominamos,
selva, de que nunca saímos,
cantiga, que em cada silêncio cantamos,
rede obscura,

em que os sentimentos fugidios se prendem.

Tão infinitamente grande foi o teu prelúdio
naquele dia em que nos começaste, -
e estamos tão maduros nos teus sóis,
tão expandidos e tão semeados em profundidade,
que, em homens, anjos e madonas,
agora podes te consumar mansamente.

Repousa tua mão na encosta dos céus
e suporta em silêncio o que na sombra te fazemos."

26.09.1899, Berlin-Schmargendorf  
Rainer Maria Rilke


(Du sanftestes Gesetz por Xavier Naidoo - Überfließende Himmel, 3° disco do Rilke Projekt, que reuniu vários artistas)

"Ich liebe dich, du sanftestes Gesetz,
an dem wir reiften, da wir mit ihm rangen;
du großes Heimweh, das wir nicht bezwangen,
du Wald, aus dem wir nie hinausgegangen,
du Lied, das wir mit jedem Schweigen sangen,
du dunkles Netz,

darin sich flüchtend die Gefühle fangen.

Du hast dich so unendlich groß begonnen
an jenem Tage, da du uns begannst, -
und wir sind so gereift in deinen Sonnen,
so breit geworden und so tief gepflanzt,
daß du in Menschen, Engeln und Madonnen
dich ruhend jetzt vollenden kannst.

Laß deine Hand am Hang der Himmel ruhn
und dulde stumm, was wir dir dunkel tun."

26.09.1899, Berlin-Schmargendorf
Rainer Maria Rilke


Extraído de: Das Stundenbuch (O Livro das Horas)

A Linguagem do Indizível: Juntamente com George e Hofmannsthal, Rilke (1875-1926) foi o criador de uma lírica standard (isto é, burguesa) da passagem de século na literatura alemã. "O Livro das Horas" (Das Stundenbuch), cuja monumentalidade se mostra na uniformidade de versos rimados, publicado em 1905, expressa a visão de mundo monista do poeta de uma maneira pouco usual em seu conteúdo.
Sua obra encontra ressonância no Brasil muito antes de cair em domínio público (1996), teve consequência mais remota nos poemas escritos por Vinicius de Moraes na década de 30. Além disso, passou por algumas gerações que o traduziram, como Cecília Meireles (Traduziu A canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke), Lya Luft (Os Cadernos de Malte Laurids Brigge), José Paulo Paes (Traduziu coletânea intitulada Poemas). Há, ainda, traduções de Paulo Rónai, Geir Campos, Dora Ferreira da Silva, Décio Pignatari, Augusto de Campos e de Manuel Bandeira. 
(em: Panorama da Literatura Alemã. Cadernos. Revista Entrelivros. n. 8, p. 60-62)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Demian

"A vida de cada homem é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, a insinuação de uma trilha. Nenhum homem já foi inteira e absolutamente ele mesmo; cada um, porém, pretende sê-lo, uns embrutecidos, outros mais lúcidos, cada um como pode. Cada um carrega consigo, até o fim, resquícios do seu nascimento, muco e cascas de ovo de um mundo primitivo. Alguns jamais serão gente, permanecem rã, lagarto, formiga. Alguns são gente por cima e peixe por baixo, mas cada um é um impulso da natureza rumo ao ser. E todos têm origens comuns, as mães, todos nós somos oriundos do mesmo abismo; mas cada um, tentativa e impulso das profundezas, se destina ao seu próprio fim. Podemos entender uns aos outros, mas interpretar cada um só pode a si mesmo."

Hermann Hesse


"Das Leben jedes Menschen ist ein Weg zu sich selber hin, der Versuch eines Weges, die Andeutung eines Pfades. Kein Mensch ist jemals ganz und gar er selbst gewesen; jeder strebt dennoch, es zu werden, einer dumpf, einer lichter, jeder wie er kann. Jeder trägt Reste von seiner Geburt, Schleim und Eischalen einer Urwelt, bis zum Ende mit sich hin. Mancher wird niemals Mensch, bleibt Frosch, bleibt Eidechse, bleibt Ameise. Mancher ist oben Mensch und unten Fisch. Aber jeder ist ein Wurf der Natur nach dem Menschen hin. Und allen sind die Herkünfte gemeinsam, die Mütter, wir alle kommen aus demselben Schlunde; aber jeder strebt, ein Versuch und Wurf aus den Tiefen, seinem eigenen Ziele zu. Wir können einander verstehen, aber deuten kann jeder nur sich selbst."

Hermann Hesse

Demian: Die Geschichte von Emil Sinclairs Jugend. 1a. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag (Edição de bolso), 2007. p. 8.

domingo, 6 de junho de 2010

Ouve, Israel! (Höre, Israel!)

(À Guerra dos Seis Dias, 1967)

(...)

12.

Sobrevivestes àqueles
Que vos foram cruéis,
Agora subsiste em vós
A crueldade deles?

Vosso anseio era tornar-se
Como os povos da Europa
Que vos assassinaram.
Agora vos tornastes como eles.

Ordenastes aos derrotados:
"Tirai vossos sapatos!",
Como ao bode expiatório que
Afugentastes para o deserto

Na grande mesquita da morte
Cujas sandálias são de areia,
Mas eles não aceitaram o pecado
Que gostaríeis que pendurassem.

A marca dos pés descalços
Na areia do deserto
Resistiu aos resquícios
Das vossas bombas e tanques.

Erich Fried
















(Zum Sechstagekrieg 1967)

(...)

12

Ihr habt die überlebt
Die zu euch grausam waren
Lebt ihre Grausamkeit
In euch jetzt weiter?

Eure Sehnsucht war so zu werden
Wie die Völker Europas
Die euch mordeten
Nun seid ihr geworden wie sie

Den Geschlagenen habt ihr befohlen:
"Zieht eure Schuhe aus!"
Wie den Sündenbock habt ihr sie
In die Wüste getrieben

In die große Moschee des Todes
Deren Sandalen Sand sind
Doch sie nahmen die Sünde nicht an
Die ihr ihnen auflegen wolltet

Der Eindruck der nackten Füße
Im Wüstensand
Überdauert die Spur
Eurer Bomben und Panzer

Erich Fried

Do livro Gedichte nach dem Holocaust, 1974. Sobre o episódio ocorrido na década de 60, quando inúmeros prisioneiros de guerra egípcios foram obrigados a ir para o deserto descalços. Na areia quente, a maioria morreu.

domingo, 14 de março de 2010

Degraus (Stufen)

Assim como toda flor perde o viço e como toda juventude
Cede à idade, floresce cada degrau da vida,
Floresce toda sabedoria também e toda virtude
A seu tempo, e não pode durar para sempre.
O coração deve, em cada chamado da vida,
Estar pronto para a despedida e para o recomeço,
Para se dar, na valentia e sem qualquer
Luto, a outras novas ligações.
E em todo começo reside um encanto próprio
Que nos protege e nos ajuda a viver.

Transponhamos serenos espaço a espaço
E a nenhum nos prendamos qual a uma pátria.
O espírito do mundo não quer nos atar nem comprimir,
Ele quer elevar-nos degrau a degrau, alastrar-nos.
Mal nos habituamos a ser íntimos
De um ambiente, ameaça o relaxar-se.
Só quem está pronto para partir e viajar
Poderá eludir o hábito paralisante.

Acaso a hora da morte ainda nos envie
Ao encontro de novos espaços,
Jamais há de cessar o clamor da vida por nós...
Eia, pois, coração, despede-te e convalesce!

Hermann Hesse


Wie jede Blüte welkt und jede Jugend
Dem Alter weicht, blüht jede Lebensstufe,
Blüht jede Weisheit auch und jede Tugend
Zu ihrer Zeit und darf nicht ewig dauern.
Es muß das Herz bei jedem Lebensrufe
Bereit zum Abschied sein und Neubeginne,
Um sich in Tapferkeit und ohne Trauern
In andre, neue Bindungen zu geben.
Und jedem Anfang wohnt ein Zauber inne,
Der uns beschützt und der uns hilft, zu leben.

Wir sollen heiter Raum um Raum durchschreiten,
An keinem wie an einer Heimat hängen,
Der Weltgeist will nicht fesseln uns und engen,
Er will uns Stuf' um Stufe heben, weiten.
Kaum sind wir heimisch einem Lebenskreise
Und traulich eingewohnt, so droht Erschlaffen,
Nur wer bereit zu Aufbruch ist und Reise,
Mag lähmender Gewöhnung sich entraffen.

Es wird vielleicht auch noch die Todesstunde
Uns neuen Räumen jung entgegen senden,
Des Lebens Ruf an uns wird niemals enden...
Wohlan denn, Herz, nimm Abschied und gesunde!

Hermann Hesse

Poema do livro "O Jogo das Contas de Vidro" (Das Glasperlenspiel). Sämtliche Werke. Vol. 10. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2002. p. 366.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Mar (Meer)

Quando se vem ao mar
deve-se começar a calar
deve-se perder o fio
dos últimos rebentos

e inspirar a espuma de sal
e o assobio agudo do vento
e expirar
e de novo inspirar

Quando se ouve a areia serrar
e o arrastar das pedras miúdas
em longas ondas
deve-se deixar de dever ser
e não querer mais querer
só mar

Só mar

Erich Fried (1921-1988)



Wenn man ans Meer kommt
soll man zu schweigen beginnen
bei den letzten Grashalmen
soll man den Faden verlieren

und den Salzschaum
und das scharfe Zischen des Windes einatmen
und ausatmen
und wieder einatmen

Wenn man den Sand sägen hört
und das Schlurfen der kleinen Steine
in langen Wellen
soll man aufhören zu sollen
und nichts mehr wollen wollen
nur Meer

Nur Meer

Erich Fried (1921-1988)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Diante da Lei (Vor dem Gesetz)

Diante da Lei havia um guardião. A esse guardião dirigiu-se um homem do interior e lhe pediu que o deixasse entrar na Lei. O guardião disse, entretanto, que não podia lhe conceder a entrada naquela ocasião. O homem pensou e depois perguntou se ele então poderia entrar mais tarde. "É possível," disse o guardião, "mas não agora." Dado que o portão para a Lei fica aberto como de hábito e o guardião vigiava a sua entrada, o homem abaixou-se para ver o interior. Quando o guardião percebeu, riu e lhe disse: "Se tanto te seduz, tenta entrar, malgrado a minha proibição. Porém, presta bem atenção: eu sou poderoso. E sou apenas o mais reles dos guardiães. Em cada salão há um guardião mais poderoso que o outro. Eu sequer suporto o olhar do terceiro." Não contava com tais dificuldades o homem do interior; a Lei deveria ser acessível para todos e a toda hora, pensou ele, mas ao observar com rigor o guardião no seu casaco de pele, o seu nariz grande e agudo, a barba escura, tênue, comprida e desarrumada, achou melhor esperar pela autorização. O guardião deu-lhe um banco e o deixou sentar-se perto. Lá permaneceu dias e anos. Tentou entrar várias vezes, cansando o guardião com seus pedidos. O guardião lhe fazia pequenos interrogatórios com certa frequência, indagava-lhe sobre sua terra natal e sobre muitas outras coisas, eram perguntas despropositadas, como se fosse o trato de bons cavalheiros e enfim lhe dizia mais uma vez que ainda não poderia deixá-lo entrar. O homem, que com muito de valor se equipou para sua viagem, serviu-se de tudo para subornar o guardião. Ele tudo aceitava, mas lhe dizia: "Apenas aceito para não achares que foste negligenciado." Durante os vários anos, o homem observou o guardião quase incessantemente. Esqueceu-se dos demais guardiães, como se aquele fosse o único obstáculo para entrar na Lei. Nos primeiros anos, ele maldizia o lamentável acaso com ímpeto e em voz alta, mais tarde, à medida em que envelhecia, resmungava de si para si. Tornou-se pueril e, como já tinha passado anos estudando o guardião e reconhecia até as pulgas no colarinho de seu casaco, apelou a elas para que lhe ajudassem a persuadir o guardião. Sua vista por fim se esvaía e ele não sabia ao certo se escurecia à sua volta ou se eram os olhos que o iludiam. Pôde, todavia, bem reconhecer um clarão no escuro, que inextinguível irrompia portão afora. Ele já não vive mais. Antes da sua morte, reuniram-se na sua mente todas as experiências do período para uma pergunta, que até então ele não havia feito ao guardião. Fez-lhe sinal, pois não conseguia mais erguer o corpo enrijecido. O guardião teve que se inclinar em sua direção, já que a diferença de estatura tinha se acentuado para dissabor do homem. "O que ainda queres saber?" perguntou o guardião, "tu és insaciável." "Todos aspiram à Lei," disse o homem, "como pode, em tantos anos, ninguém além de mim ter buscado entrar nela?" O guardião reconheceu que o homem já estava no fim e, para alcançar ainda a audição extenuante, vociferou: "Aqui ninguém pôde entrar antes porque esta entrada era destinada somente a ti. Agora já posso ir-me e trancá-la."

Franz Kafka, 1914. 


Vor dem Gesetz steht ein Türhüter. Zu diesem Türhüter kommt ein Mann vom Lande und bittet um Eintritt in das Gesetz. Aber der Türhüter sagt, daß er ihm jetzt den Eintritt nicht gewähren könne. Der Mann überlegt und fragt dann, ob er also später werde eintreten dürfen. "Es ist möglich," sagt der Türhüter, "jetzt aber nicht." Da das Tor zum Gesetz offensteht wie immer und der Türhüter beiseite tritt, bückt sich der Mann, um durch das Tor in das Innere zu sehn. Als der Türhüter das merkt, lacht er und sagt: "Wenn es dich so lockt, versuche es doch, trotz meines Verbotes hineinzugehn. Merke aber: Ich bin mächtig. Und ich bin nur der unterste Türhüter. Von Saal zu Saal stehn aber Türhüter, einer mächtiger als der andere. Schon den Anblick des dritten kann nicht einmal ich mehr ertragen." Solche Schwierigkeiten hat der Mann vom Lande nicht erwartet; das Gesetz soll doch jedem und immer zugänglich sein, denkt er, aber als er jetzt den Türhüter in seinem Pelzmantel genauer ansieht, seine große Spitznase, den langen, dünnen, schwarzen tatarischen Bart, entschließt er sich, doch lieber zu warten, bis er die Erlaubnis zum Eintritt bekommt. Der Türhüter gibt ihm einen Schemel und läßt ihn seitwärts von der Tür sich niedersetzen. Dort sitzt er Tage und Jahre. Er macht viele Versuche, eingelassen zu werden, und ermüdet den Türhüter durch seine Bitten. Der Türhüter stellt öfters kleine Verhöre mit ihm an, fragt ihn über seine Heimat aus und nach vielem andern, es sind aber teilnahmslose Fragen, wie sie große Herren stellen, und zum Schlusse sagt er ihm immer wieder, daß er ihn noch nicht einlassen könne. Der Mann, der sich für seine Reise mit vielem ausgerüstet hat, verwendet alles, und sei es noch so wertvoll, um den Türhüter zu bestechen. Dieser nimmt zwar alles an, aber sagt dabei: "Ich nehme es nur an, damit du nicht glaubst, etwas versäumt zu haben." Während der vielen Jahre beobachtet der Mann den Türhüter fast ununterbrochen. Er vergißt die andern Türhüter und dieser erste scheint ihm das einzige Hindernis für den Eintritt in das Gesetz. Er verflucht den unglücklichen Zufall, in den ersten Jahren rücksichtslos und laut, später, als er alt wird, brummt er nur noch vor sich hin. Er wird kindisch, und, da er in dem jahrelangen Studium des Türhüters auch die Flöhe in seinem Pelzkragen erkannt hat, bittet er auch die Flöhe, ihm zu helfen und den Türhüter umzustimmen. Schließlich wird sein Augenlicht schwach, und er weiß nicht, ob es um ihn wirklich dunkler wird, oder ob ihn nur seine Augen täuschen. Wohl aber erkennt er jetzt im Dunkel einen Glanz, der unverlöschlich aus der Türe des Gesetzes bricht. Nun lebt er nicht mehr lange. Vor seinem Tode sammeln sich in seinem Kopfe alle Erfahrungen der ganzen Zeit zu einer Frage, die er bisher an den Türhüter noch nicht gestellt hat. Er winkt ihm zu, da er seinen erstarrenden Körper nicht mehr aufrichten kann. Der Türhüter muß sich tief zu ihm hinunterneigen, denn der Größenunterschied hat sich sehr zu ungunsten des Mannes verändert. "Was willst du denn jetzt noch wissen?" fragt der Türhüter, "du bist unersättlich." "Alle streben doch nach dem Gesetz," sagt der Mann, "wieso kommt es, daß in den vielen Jahren niemand außer mir Einlaß verlangt hat?" Der Türhüter erkennt, daß der Mann schon an seinem Ende ist, und, um sein vergehendes Gehör noch zu erreichen, brüllt er ihn an: "Hier konnte niemand sonst Einlaß erhalten, denn dieser Eingang war nur für dich bestimmt. Ich gehe jetzt und schließe ihn."

Franz Kafka, 1914.


De: Erzählungen (Contos). Frankfurt am Main: Fischer Verlag: 1975, p.120s.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Noite de Luar (Mondnacht)

Foi como se o céu
serenamente beijasse a terra,
E que ela, no resplendor de flores,
Com ele tivesse de sonhar.

O ar passou pelos campos,
Leve se agitavam as espigas,
Manso sussurravam os bosques,
Tão estrelada era a noite.

E minh'alma espraiou
suas vastas asas,
Voou pelas terras plácidas,
Como se voasse p'ra casa.

Joseph von Eichendorff, 1837.


Es war, als hätt der Himmel
Die Erde still geküsst,
Dass sie im Blütenschimmer
Von ihm nun träumen müsst.

Die Luft ging durch die Felder,
Die Ähren wogten sacht,
Es rauschten leis die Wälder,
So sternklar war die Nacht.

Und meine Seele spannte
Weit ihre Flügel aus,
Flog durch die stillen Lande,
als flöge sie nach Haus.

Joseph von Eichendorff, 1837.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Perto da Amada (Nähe des Geliebten)

Penso em ti, quando o brilho do sol se me
Irradia no mar;
Penso em ti, quando o reflexo da lua se
Desenha na fonte.

Vejo-te, quando no caminho distante
A poeira se eleva;
Na noite profunda, quando na ponte estreita
O viajante estremece.

Ouço-te, quando com surdo marulho
A onda se alça.
Ao bosque sereno costumo ir para escutar
Quando tudo silencia.

Estou contigo, ainda que estejas tão longe,
Estás perto de mim!
O sol imerge, logo hão-de brilhar-me estrelas.
Ah, se estivesses aqui!

Johann Wolfgang von Goethe, 1795.
 



Ich denke Dein, wenn mir der Sonne Schimmer
Vom Meere strahlt;
Ich denke dein, wenn sich des Mondes Flimmer
In Quellen malt.

Ich sehe dich, wenn auf dem fernen Wege
Der Staub sich hebt;
In tiefer Nacht, wenn auf dem schmalen Stege
Der Wandrer bebt.

Ich höre dich, wenn dort mit dumpfem Rauschen
Die Welle steigt.
Im stillen Haine geh ich oft zu lauschen,
Wenn alles schweigt.

Ich bin bei dir, du seist auch noch so ferne,
Du bist mir nah!
Die Sonne sinkt, bald leuchten mir die Sterne.
O wärst du da!

Johann Wolfgang von Goethe, 1795.
Poema de 4 estrofes que mais tarde recebeu a melodia de Schubert: D. 162, Op. 5, N. 2.

domingo, 22 de novembro de 2009

O Lobo da Estepe (Der Steppenwolf)

"Ah, é difícil encontrar esse vestígio divino no meio dessa vida que levamos, no meio dessa época tão satisfeita, tão burguesa, tão sem vida, ao se contemplar essa arquitetura, essas lojas, essa política, essa gente! Como eu não haveria de ser um lobo da estepe e um ríspido eremita em meio a um mundo de cujas aspirações eu não compartilho, cujos prazeres nada significam para mim! (...) E o que, porém, me ocorre nos meus escassos momentos de felicidade, o que para mim é deleite, vivência, êxtase e elevação o mundo conhece e busca e ama* quando muito em poemas, na vida acha loucura. E se for o caso de o mundo ter razão, se essa música nos cafés, essas diversões de massa americanas com tão pouca gente contente tiverem razão, então eu não tenho razão, então eu sou louco, então sou realmente o lobo da estepe, tal qual costumava me chamar, o animal perdido em um mundo que lhe é estranho e incompreensível*, onde não mais encontra sua morada, ar, nem alimento."

Hermann Hesse
 



"Ach, es ist schwer, diese Gottesspur zu finden inmitten dieses Lebens, das wir führen, inmitten dieser so sehr zufriedenen, so sehr bürgerlichen, so sehr geistlosen Zeit, im Anblick dieser Architekturen, dieser Geschäfte, dieser Politik, dieser Menschen! Wie sollte ich nicht ein Steppenwolf und ruppiger Eremit sein inmitten einer Welt, von deren Zielen ich keines teile, von deren Freuden keine zu mir spricht! (...) Und was hingegen mir in meinen seltnen Freudenstunden geschieht, was für mich Wonne, Erlebnis, Ekstase und Erhebung ist, das kennt und sucht und liebt die Welt höchstens in Dichtungen, im Leben findet sie es verrückt. Und in der Tat, wenn die Welt recht hat, wenn diese Musik in den Cafés, diese Massenvergnügungen, diese amerikanischen, mit so wenigem zufriedenen Menschen recht haben, dann habe ich unrecht, dann bin ich verrückt, dann bin ich wirklich der Steppenwolf, den ich mich oft nannte, das in eine ihm fremde und unverständliche Welt verirrte Tier, das seine Heimat, Luft und Nahrung nicht mehr findet."

Hermann Hesse

Do capítulo
Harry Hallers Aufzeichnungen (Anotações de Harry Haller). Der Steppenwolf. 11a. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2005. p. 39-40.


"...É obra representativa de uma geração de leitores de Nietzsche, críticos da cultura que se consolidava sob a industrialização e as formas de organização da sociedade de massas no início do século XX. (...) Foi também obra de referência e identificação para os movimentos estudantis dos anos 60, por figurar a individualidade artística inconformada com o sistema. Apesar de uma composição aparentemente caótica da obra, com múltiplas perspectivas narrativas, a inserção de um ensaio e a série de visões na parte final do livro, a crítica identificou aí uma consistente estrutura musical próxima à sonata. O protagonista Harry Haller, o 'lobo da estepe', é um cinqüentão solitário de psique neurótica, em crise existencial. Recolhido ao seu escritório, imagina diálogos com Goethe, ocupa-se de Mozart; à noite, perde-se em bares. Quando, enfim, compreende a complexidade da psique humana, Haller passa a encontrar figuras correspondentes às categorias da psicologia de Jung, como Hermine, a anima que o guia pela vida da cidade e o apresenta ao casal Pablo e Maria."

Sinopse A sonata de Hesse em: Panorama da Literatura Alemã. Cadernos. Revista Entrelivros. n. 8, p. 70.
  1. Note-se o polissíndeto aqui. "Und was hingegen (...) Ekstase und Erhebung (...) das kennt und sucht und liebt..." ("E o que, porém [...] êxtase e elevação [...] o mundo conhece e busca e ama...") O uso abusivo do conectivo no texto, espaçado no resto do texto e mais próximo nesse trecho, tem valor estilístico. A figura confere cadência à leitura e evidencia o tom de desabafo que o autor quis atribuir à personagem;
  2. "o animal perdido em um mundo que lhe é estranho e incompreensível": foi necessário reorganizar o período, que no original está com a ordem vertida em um sintagma nominal (Nominalgruppe), no caso uma oração completa intercalada entre o artigo "o" e o sujeito "animal perdido", qualificando-o: "em um mundo que lhe é estranho e incompreensível". Na adaptação da lógica em alemão, que não cabe no português, a última oração, que fazia referência a "animal", e não a "mundo" ("que não encontra sua morada...") também teve de ser alterada para guardar coesão com "mundo" por meio do advérbio de lugar "onde", mantido invariavelmente o sujeito (animal).

sábado, 21 de novembro de 2009

A si (An sich)

Sê todavia intrépido! Não te dês por vencido!
Não cedas à fortuna, sê superior à inveja.
Alegra-te contigo e não lamentes
Se contra ti conspiraram sorte, lugar e tempo.

O que te aflige e te deleita toma por eleito,
Aceita a tua fatalidade e não te arrependas de nada.
Faz o que deve ser feito antes que t'ordenem.
Aquilo pelo que ainda esperas sempre está para nascer*.

O que se lamenta, o que se louva? Cada um é sua
Própria desgraça e fortuna. Contempla todas as coisas:
Tudo isso está em ti, abandona tua ilusão fútil,

E antes de seguires adiante, volta para dentro de ti.
Quem é senhor de si e a si consegue dominar
A ele o vasto mundo e tudo o mais se sujeita.

Paul Fleming (1609-1640)



Sei dennoch unverzagt! Gib dennoch unverloren!
Weich keinem Glücke nicht, steh höher als der Neid,
Vergnüge dich an dir, und acht es für kein Leid,
Hat sich gleich wider dich Glück, Ort und Zeit verschworen.

Was dich betrübt und labt, halt alles für erkoren,
Nimm dein Verhängnis an, lass alles unbereut.
Tu, was getan sein muss, und eh man dirs gebeut.
Was du noch hoffen kannst das wird noch stets geboren.

Was klagt, was lobt man doch? Sein Unglück und sein Glücke
Ist sich ein jeder selbst. Schau alle Sachen an:
Dies alles ist in dir. Lass deinen eitlen Wahn,

Und eh du fürder gehst, so geh in dich zurücke.
Wer sein selbst Meister ist, und sich beherrschen kann,
Dem ist die weite Welt und alles untertan.

Paul Fleming (1609-1640)

Fleming representa com Gryphius e Christian von Hofmannswaldau líricos significativos do barroco alemão. Além da preocupação com a tradução em si, há outras considerações: a primeira, por se tratar de um soneto, é com a rima, que infelizmente não foi mantida. Observem no original os quartetos (versos terminados em en-eid-eid-en e en-eut-eut-en) e os tercetos (ambos em e-an-an); a segunda é com o vocabulário que, embora reproduza anseios e aconselhamentos atemporais, é explicitamente poético e marca uma época (século XVII).


  1. Título: "A si" ou "A si próprio" (An sich) evidencia o tom reflexivo do soneto ou o seu chamado à reflexão;
  2. Aquilo pelo que ainda esperas sempre está para nascer: Verso muito expressivo do segundo quarteto. Era possível traduzi-lo mais próximo do sentido em português como "aquilo pelo que ainda nutres esperança pode ocorrer a qualquer momento". Foi feita, no entanto, a opção pelo que aqui se encontra devido ao original (...das wird noch stets geboren), que menciona "nascer" (geboren werden), como uma gestação de período incerto que porta o novo. Por isso não há de se esperar apenas, é fazer o que deve ser feito, preparar-se para o parto.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Pensamentos sobre a Duração do Exílio (Gedanken über die Dauer des Exils)

I

Não finques na parede prego algum
Atira teu casaco na cadeira.
Por que se prevenir p'ra quatro dias?
É amanhã que regressas.

Deixa a arvorezinha sem água.
P'ra que plantar mais uma árvore?
Antes que ela alcance a altura de um degrau
Vais-te embora daqui feliz.

Cobre o rosto com o gorro quando as pessoas passarem!
P'ra que folhear uma gramática estrangeira?
A notícia, que te chama p'ra casa,
Está escrita em língua conhecida.

Assim como se esfolia a cal do vigamento
(Nada faças contra isso!)
Apodrecerá* a cerca da violência
Que foi soerguida na fronteira
Contra a justiça.

II

Observa o prego que cravaste na parede:
Quando achas que irás regressar?
Queres saber em que no fundo crês?

Dia após dia
Trabalhas pela libertação
Escreves sentado no quarto.
Queres saber o que reténs do teu trabalho?
Observa a pequena castanheira no canto do quintal
P'ra qual arrastavas o jarro cheio d'água!

Bertolt Brecht



I

Schlage keinen Nagel in die Wand
Wirf den Rock auf den Stuhl.
Warum vorsogen für vier Tage?
Du kehrst morgen zurück.

Laß den kleinen Baum ohne Wasser.
Wozu noch einen Baum pflanzen?
Bevor er so hoch wie eine Stufe ist
Gehst du froh weg von hier.

Zieh die Mütze ins Gesicht, wenn Leute vorbeigehn!
Wozu in einer fremden Grammatik blättern?
Die Nachricht, die dich heimruft
Ist in bekannter Sprache geschrieben.

So wie der Kalk vom Gebälk blättert
(Tue nichts dagegen!)
Wird der Zaun der Gewalt zermorschen
Der an der Grenze aufgerichtet ist
Gegen die Gerechtigkeit.

II

Sieh den Nagel in der Wand, den du eingeschlagen hast:
Wann, glaubst du, wirst du zurückkehren?
Willst du wissen, was du im Innersten glaubst?

Tag um Tag
Arbeitest du an der Befreiung
Sitzend in der Kammer schreibst du.
Willst du wissen, was du von deiner Arbeit hältst?
Sieh den kleinen Kastanienbaum im Eck des Hofes
Zu dem du die Kanne voll Wasser schlepptest!

Bertolt Brecht

Gedichte. 12a ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2004. p. 719-20.



A poesia, escrita em 1937, integra os Poemas de Svendborg (Svendborger Gedichte), cidade na Dinamarca onde Brecht completava 4 anos de exílio. O texto tem características nitidamente autobiográficas. Inicia com a esperança de quem se encontra na iminência do regresso e é tomado depois por um sentimento de resignação: o prego ainda está na parede e a árvore cresceu tanto que precisa de um jarro pra regá-la. Não restaria muito a não ser fazer a parte que lhe tocava até que se acabasse o que o mantinha afastado do país (o nacional-socialismo, evidentemente) e pudesse, enfim, retornar: escrever, dia após dia, como forma de libertação, como forma de deixar sua contribuição e frutos (dos quais a árvore é metáfora).

  1. Apodrecerá: 4a. estrofe, 3a. linha. "Wird zermorschen". Zermorschen é um neologismo do autor, não existe o verbo em alemão, vermorschen sim. Vermorschen significa algo em torno de "apodrecer", "decompor-se", justificado pelo prefixo inseparável "ver", que sugere a ideia de transição, de um processo de alteração de um estado para outro (como em verwandeln [transmudar, metamorfosear]). Já o prefixo "zer" passa a noção de separação, divisão, desintegração (como no poema anterior de Enzensberger, zerreißen [dilacerar, destroçar]), de que muito possivelmente se utilizou Brecht em zermorschen para fazer a comparação entre a degradação putrefata da "cerca da violência" e a "esfoliação da cal" na linha anterior, mas não só isso, imagina-se que o fator temporal esteja expresso no contexto: tanto a esfoliação da cal quanto a deterioração de algo (até que se reduza a restos) são processos lentos e gradativos, que não ocorrem de um dia para o outro.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Defesa dos Lobos contra os Cordeiros (Verteidigung der Wölfe gegen die Lämmer)

deve o abutre se alimentar de flores*?
o que exigis do chacal?
que ele mude de pele? e do lobo? que
ele mesmo limpe os dentes?
o que não apreciais
nos coronéis* e nos papas?
o que vos deixa perplexos*
na tela mentirosa?

quem irá então costurar para o general
a condecoração sanguinária em sua calça? quem
irá fatiar o capão diante do agiota?
quem irá ostentar orgulhoso a cruz-de-ferro
diante da barriga que ronca? quem
irá pegar a gorjeta, a soma,
a propina? há
muitos roubados, poucos ladrões; quem
então os aplaude? quem
lhes coloca a insígnia? quem
é ávido pela mentira?

vede no espelho: covardes,
que evitam a fadiga da verdade,
avessos ao aprender, o pensar
é deixado a critério dos lobos,
a coleira* é vossa joia mais cara,
nenhuma ilusão é tão estúpida, nenhum
consolo é tão barato, qualquer chantagem
ainda é para vós branda demais.

cordeiros, irmãs são
as gralhas comparadas a vós:
cegais uns aos outros.
a irmandade reina
entre os lobos:
eles vão em bandos.

louvados sejam os predadores: vós,
convidativos ao estupro,
vos atirais sobre o leito negligente
da obediência. lamuriando,
ainda mentis*. quereis
ser estraçalhados*. vós
não mudais o mundo.

Hans Magnus Enzensberger



soll der geier vergissmeinicht fressen?
was verlangt ihr vom schakal,
dass er sich häute, vom wolf?
soll er sich selber ziehen die zähne?
was gefällt euch nicht
an politruks und an päpsten,
was guckt ihr blöd aus der wäsche
auf den verlogenen bildschirm?

wer näht denn dem general
den blutstreif an seine hose? wer
zerlegt vor dem wucherer den kapaun?
wer hängt sich stolz das blechkreuz
vor den knurrenden nabel? wer
nimmt das trinkgeld, den silberling,
den schweigepfennig? es gibt
viel bestohlene, wenig diebe; wer
applaudiert ihnen denn, wer
steckt die abzeichen an, wer
lechzt nach der lüge?

seht in den spiegel: feig,

scheuend die mühsal der wahrheit,
dem lernen abgeneigt, das denken
überantwortend den wölfen,
der nasenring euer teuerster schmuck,
keine täuschung zu dumm, kein trost
zu billig, jede erpressung
ist für euch noch zu milde.

ihr lämmer, schwestern sind,

mit euch verglichen, die krähen:
ihr blendet einer den anderen.
brüderlichkeit herrscht
unter den wölfen: sie gehen in rudeln.

gelobt sein die räuber: ihr,

einladend zur vergewaltigung,
werft euch aufs faule bett
des gehorsams. winselnd noch
lügt ihr, zerrissen
wollt ihr werden. ihr
ändert die welt nicht.

Hans Magnus Enzensberger


Manteve-se a métrica original e a organização dos versos: sem maiúsculas no início dos períodos. Esse recurso de se utilizar das minúsculas é menos perceptível ao se traduzir para o português, porque os todos os substantivos em alemão, independente de serem ou não nomes próprios, são escritos com inicial maiúscula (o que não acontece no caso do texto).

  1. flores: no original não está o seu correspondente literal, Blumen, mas vergissmeinicht, que seria uma flor, "miosótis" ou "não-me-esqueças" em português. Esse último bem traduz o termo alemão;

  2. coronéis: substituiu politruks. Um Politruk é um comissário político russo, um oficial, responsável pela doutrinação da população e que era leal ao governo de militares. É reacionário por excelência. É uma figura que tem raiz na Revolução Francesa como força antirrevolucionária e foi em seguida aprimorada na Rússia, quando o governo provisório de 1917 a introduziu no exército vermelho para garantir o controle político, perdurando até 1942;

  3. deixar perplexos: A expressão no verso é blöd aus der Wäsche gucken ("was guckt ihr blöd aus der wäsche / auf den verlogenen bildschirm?"), a tradução literal jamais faria sentido, mas a ideia é a de assistir impassível a algo, ver algo boquiaberto, sem qualquer reação;

  4. coleira: em alemão, é Leine. No texto, entretanto, está Nasenring, o anel que o gado usa no focinho. Optou-se por "coleira" por ser entre nós uma metáfora recorrente para se referir a um claro estado de submissão, "focinheira" também é boa opção;

  5. estraçalhados: particípio de zerrissen, do verbo zerreißen (rasgar, dilacerar, despedaçar).