domingo, 6 de junho de 2010

Ouve, Israel! (Höre, Israel!)

(À Guerra dos Seis Dias, 1967)

(...)

12.

Sobrevivestes àqueles
Que vos foram cruéis,
Agora subsiste em vós
A crueldade deles?

Vosso anseio era tornar-se
Como os povos da Europa
Que vos assassinaram.
Agora vos tornastes como eles.

Ordenastes aos derrotados:
"Tirai vossos sapatos!",
Como ao bode expiatório que
Afugentastes para o deserto

Na grande mesquita da morte
Cujas sandálias são de areia,
Mas eles não aceitaram o pecado
Que gostaríeis que pendurassem.

A marca dos pés descalços
Na areia do deserto
Resistiu aos resquícios
Das vossas bombas e tanques.

Erich Fried
















(Zum Sechstagekrieg 1967)

(...)

12

Ihr habt die überlebt
Die zu euch grausam waren
Lebt ihre Grausamkeit
In euch jetzt weiter?

Eure Sehnsucht war so zu werden
Wie die Völker Europas
Die euch mordeten
Nun seid ihr geworden wie sie

Den Geschlagenen habt ihr befohlen:
"Zieht eure Schuhe aus!"
Wie den Sündenbock habt ihr sie
In die Wüste getrieben

In die große Moschee des Todes
Deren Sandalen Sand sind
Doch sie nahmen die Sünde nicht an
Die ihr ihnen auflegen wolltet

Der Eindruck der nackten Füße
Im Wüstensand
Überdauert die Spur
Eurer Bomben und Panzer

Erich Fried

Do livro Gedichte nach dem Holocaust, 1974. Sobre o episódio ocorrido na década de 60, quando inúmeros prisioneiros de guerra egípcios foram obrigados a ir para o deserto descalços. Na areia quente, a maioria morreu.

sábado, 17 de abril de 2010

Ecce Homo

Sim, eu sei de onde venho!
Insaciado como a chama 
Incandesço e me consumo.
Tudo o que toco vira luz,
Carvão, tudo o que deixo:
Por certo, chama eu sou.

Friedrich Nietzsche













Ja! Ich weiß, woher ich stamme!
Ungesättigt gleich der Flamme
Glühe und verzehr' ich mich.
Licht wird alles, was ich fasse,
Kohle alles, was ich lasse:
Flamme bin ich sicherlich.


Friedrich Nietzsche

Extraído de: Die fröhliche Wissenschaft ("A Gaia Ciência")

domingo, 14 de março de 2010

Degraus (Stufen)

Assim como toda flor perde o viço e como toda juventude
Cede à idade, floresce cada degrau da vida,
Floresce toda sabedoria também e toda virtude
A seu tempo, e não pode durar para sempre.
O coração deve, em cada chamado da vida,
Estar pronto para a despedida e para o recomeço,
Para se dar, na valentia e sem qualquer
Luto, a outras novas ligações.
E em todo começo reside um encanto próprio
Que nos protege e nos ajuda a viver.

Transponhamos serenos espaço a espaço
E a nenhum nos prendamos qual a uma pátria.
O espírito do mundo não quer nos atar nem comprimir,
Ele quer elevar-nos degrau a degrau, alastrar-nos.
Mal nos habituamos a ser íntimos
De um ambiente, ameaça o relaxar-se.
Só quem está pronto para partir e viajar
Poderá eludir o hábito paralisante.

Acaso a hora da morte ainda nos envie
Ao encontro de novos espaços,
Jamais há de cessar o clamor da vida por nós...
Eia, pois, coração, despede-te e convalesce!

Hermann Hesse


Wie jede Blüte welkt und jede Jugend
Dem Alter weicht, blüht jede Lebensstufe,
Blüht jede Weisheit auch und jede Tugend
Zu ihrer Zeit und darf nicht ewig dauern.
Es muß das Herz bei jedem Lebensrufe
Bereit zum Abschied sein und Neubeginne,
Um sich in Tapferkeit und ohne Trauern
In andre, neue Bindungen zu geben.
Und jedem Anfang wohnt ein Zauber inne,
Der uns beschützt und der uns hilft, zu leben.

Wir sollen heiter Raum um Raum durchschreiten,
An keinem wie an einer Heimat hängen,
Der Weltgeist will nicht fesseln uns und engen,
Er will uns Stuf' um Stufe heben, weiten.
Kaum sind wir heimisch einem Lebenskreise
Und traulich eingewohnt, so droht Erschlaffen,
Nur wer bereit zu Aufbruch ist und Reise,
Mag lähmender Gewöhnung sich entraffen.

Es wird vielleicht auch noch die Todesstunde
Uns neuen Räumen jung entgegen senden,
Des Lebens Ruf an uns wird niemals enden...
Wohlan denn, Herz, nimm Abschied und gesunde!

Hermann Hesse

Poema do livro "O Jogo das Contas de Vidro" (Das Glasperlenspiel). Sämtliche Werke. Vol. 10. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2002. p. 366.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Mar (Meer)

Quando se vem ao mar
deve-se começar a calar
deve-se perder o fio
dos últimos rebentos

e inspirar a espuma de sal
e o assobio agudo do vento
e expirar
e de novo inspirar

Quando se ouve a areia serrar
e o arrastar das pedras miúdas
em longas ondas
deve-se deixar de dever ser
e não querer mais querer
só mar

Só mar

Erich Fried (1921-1988)



Wenn man ans Meer kommt
soll man zu schweigen beginnen
bei den letzten Grashalmen
soll man den Faden verlieren

und den Salzschaum
und das scharfe Zischen des Windes einatmen
und ausatmen
und wieder einatmen

Wenn man den Sand sägen hört
und das Schlurfen der kleinen Steine
in langen Wellen
soll man aufhören zu sollen
und nichts mehr wollen wollen
nur Meer

Nur Meer

Erich Fried (1921-1988)