domingo, 22 de novembro de 2009

O Lobo da Estepe (Der Steppenwolf)

"Ah, é difícil encontrar esse vestígio divino no meio dessa vida que levamos, no meio dessa época tão satisfeita, tão burguesa, tão sem vida, ao se contemplar essa arquitetura, essas lojas, essa política, essa gente! Como eu não haveria de ser um lobo da estepe e um ríspido eremita em meio a um mundo de cujas aspirações eu não compartilho, cujos prazeres nada significam para mim! (...) E o que, porém, me ocorre nos meus escassos momentos de felicidade, o que para mim é deleite, vivência, êxtase e elevação o mundo conhece e busca e ama* quando muito em poemas, na vida acha loucura. E se for o caso de o mundo ter razão, se essa música nos cafés, essas diversões de massa americanas com tão pouca gente contente tiverem razão, então eu não tenho razão, então eu sou louco, então sou realmente o lobo da estepe, tal qual costumava me chamar, o animal perdido em um mundo que lhe é estranho e incompreensível*, onde não mais encontra sua morada, ar, nem alimento."

Hermann Hesse
 



"Ach, es ist schwer, diese Gottesspur zu finden inmitten dieses Lebens, das wir führen, inmitten dieser so sehr zufriedenen, so sehr bürgerlichen, so sehr geistlosen Zeit, im Anblick dieser Architekturen, dieser Geschäfte, dieser Politik, dieser Menschen! Wie sollte ich nicht ein Steppenwolf und ruppiger Eremit sein inmitten einer Welt, von deren Zielen ich keines teile, von deren Freuden keine zu mir spricht! (...) Und was hingegen mir in meinen seltnen Freudenstunden geschieht, was für mich Wonne, Erlebnis, Ekstase und Erhebung ist, das kennt und sucht und liebt die Welt höchstens in Dichtungen, im Leben findet sie es verrückt. Und in der Tat, wenn die Welt recht hat, wenn diese Musik in den Cafés, diese Massenvergnügungen, diese amerikanischen, mit so wenigem zufriedenen Menschen recht haben, dann habe ich unrecht, dann bin ich verrückt, dann bin ich wirklich der Steppenwolf, den ich mich oft nannte, das in eine ihm fremde und unverständliche Welt verirrte Tier, das seine Heimat, Luft und Nahrung nicht mehr findet."

Hermann Hesse

Do capítulo
Harry Hallers Aufzeichnungen (Anotações de Harry Haller). Der Steppenwolf. 11a. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2005. p. 39-40.


"...É obra representativa de uma geração de leitores de Nietzsche, críticos da cultura que se consolidava sob a industrialização e as formas de organização da sociedade de massas no início do século XX. (...) Foi também obra de referência e identificação para os movimentos estudantis dos anos 60, por figurar a individualidade artística inconformada com o sistema. Apesar de uma composição aparentemente caótica da obra, com múltiplas perspectivas narrativas, a inserção de um ensaio e a série de visões na parte final do livro, a crítica identificou aí uma consistente estrutura musical próxima à sonata. O protagonista Harry Haller, o 'lobo da estepe', é um cinqüentão solitário de psique neurótica, em crise existencial. Recolhido ao seu escritório, imagina diálogos com Goethe, ocupa-se de Mozart; à noite, perde-se em bares. Quando, enfim, compreende a complexidade da psique humana, Haller passa a encontrar figuras correspondentes às categorias da psicologia de Jung, como Hermine, a anima que o guia pela vida da cidade e o apresenta ao casal Pablo e Maria."

Sinopse A sonata de Hesse em: Panorama da Literatura Alemã. Cadernos. Revista Entrelivros. n. 8, p. 70.
  1. Note-se o polissíndeto aqui. "Und was hingegen (...) Ekstase und Erhebung (...) das kennt und sucht und liebt..." ("E o que, porém [...] êxtase e elevação [...] o mundo conhece e busca e ama...") O uso abusivo do conectivo no texto, espaçado no resto do texto e mais próximo nesse trecho, tem valor estilístico. A figura confere cadência à leitura e evidencia o tom de desabafo que o autor quis atribuir à personagem;
  2. "o animal perdido em um mundo que lhe é estranho e incompreensível": foi necessário reorganizar o período, que no original está com a ordem vertida em um sintagma nominal (Nominalgruppe), no caso uma oração completa intercalada entre o artigo "o" e o sujeito "animal perdido", qualificando-o: "em um mundo que lhe é estranho e incompreensível". Na adaptação da lógica em alemão, que não cabe no português, a última oração, que fazia referência a "animal", e não a "mundo" ("que não encontra sua morada...") também teve de ser alterada para guardar coesão com "mundo" por meio do advérbio de lugar "onde", mantido invariavelmente o sujeito (animal).

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