sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Pensamentos sobre a Duração do Exílio (Gedanken über die Dauer des Exils)

I

Não finques na parede prego algum
Atira teu casaco na cadeira.
Por que se prevenir p'ra quatro dias?
É amanhã que regressas.

Deixa a arvorezinha sem água.
P'ra que plantar mais uma árvore?
Antes que ela alcance a altura de um degrau
Vais-te embora daqui feliz.

Cobre o rosto com o gorro quando as pessoas passarem!
P'ra que folhear uma gramática estrangeira?
A notícia, que te chama p'ra casa,
Está escrita em língua conhecida.

Assim como se esfolia a cal do vigamento
(Nada faças contra isso!)
Apodrecerá* a cerca da violência
Que foi soerguida na fronteira
Contra a justiça.

II

Observa o prego que cravaste na parede:
Quando achas que irás regressar?
Queres saber em que no fundo crês?

Dia após dia
Trabalhas pela libertação
Escreves sentado no quarto.
Queres saber o que reténs do teu trabalho?
Observa a pequena castanheira no canto do quintal
P'ra qual arrastavas o jarro cheio d'água!

Bertolt Brecht



I

Schlage keinen Nagel in die Wand
Wirf den Rock auf den Stuhl.
Warum vorsogen für vier Tage?
Du kehrst morgen zurück.

Laß den kleinen Baum ohne Wasser.
Wozu noch einen Baum pflanzen?
Bevor er so hoch wie eine Stufe ist
Gehst du froh weg von hier.

Zieh die Mütze ins Gesicht, wenn Leute vorbeigehn!
Wozu in einer fremden Grammatik blättern?
Die Nachricht, die dich heimruft
Ist in bekannter Sprache geschrieben.

So wie der Kalk vom Gebälk blättert
(Tue nichts dagegen!)
Wird der Zaun der Gewalt zermorschen
Der an der Grenze aufgerichtet ist
Gegen die Gerechtigkeit.

II

Sieh den Nagel in der Wand, den du eingeschlagen hast:
Wann, glaubst du, wirst du zurückkehren?
Willst du wissen, was du im Innersten glaubst?

Tag um Tag
Arbeitest du an der Befreiung
Sitzend in der Kammer schreibst du.
Willst du wissen, was du von deiner Arbeit hältst?
Sieh den kleinen Kastanienbaum im Eck des Hofes
Zu dem du die Kanne voll Wasser schlepptest!

Bertolt Brecht

Gedichte. 12a ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2004. p. 719-20.



A poesia, escrita em 1937, integra os Poemas de Svendborg (Svendborger Gedichte), cidade na Dinamarca onde Brecht completava 4 anos de exílio. O texto tem características nitidamente autobiográficas. Inicia com a esperança de quem se encontra na iminência do regresso e é tomado depois por um sentimento de resignação: o prego ainda está na parede e a árvore cresceu tanto que precisa de um jarro pra regá-la. Não restaria muito a não ser fazer a parte que lhe tocava até que se acabasse o que o mantinha afastado do país (o nacional-socialismo, evidentemente) e pudesse, enfim, retornar: escrever, dia após dia, como forma de libertação, como forma de deixar sua contribuição e frutos (dos quais a árvore é metáfora).

  1. Apodrecerá: 4a. estrofe, 3a. linha. "Wird zermorschen". Zermorschen é um neologismo do autor, não existe o verbo em alemão, vermorschen sim. Vermorschen significa algo em torno de "apodrecer", "decompor-se", justificado pelo prefixo inseparável "ver", que sugere a ideia de transição, de um processo de alteração de um estado para outro (como em verwandeln [transmudar, metamorfosear]). Já o prefixo "zer" passa a noção de separação, divisão, desintegração (como no poema anterior de Enzensberger, zerreißen [dilacerar, destroçar]), de que muito possivelmente se utilizou Brecht em zermorschen para fazer a comparação entre a degradação putrefata da "cerca da violência" e a "esfoliação da cal" na linha anterior, mas não só isso, imagina-se que o fator temporal esteja expresso no contexto: tanto a esfoliação da cal quanto a deterioração de algo (até que se reduza a restos) são processos lentos e gradativos, que não ocorrem de um dia para o outro.

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